quinta-feira, setembro 27

 a cidade que vejo se revela
e resvala
como os olhos de um desconhecido.

 

era a cidade:
(apontava o seu braço reto e magro)
das escadas curvas
libertos os gatos sobre seus impérios degraus
infinitos degraus onde todo o corpo se consome

hoje perco a sua forma (cidade, cidade)
mas as casas nada poderia detê-las
tão iluminadas gralhas de memória e fantasmas
onde o mesmo cheiro é
sempre o cheiro da casa
dos três quartos vazios
 e uma árvore empoeirada.

pois que a cidade é outra.
não há minha cidade:
corpo difundido ao vácuo antes
das casas entre a fumaça
e a sua cabeça
cáustica, evadir-me na fumaça
asfixiar a árvore
e toda a nuvem de poeira que deflagram os seus galhos

(em uma cidade alheia
muitos anéis afogam-se nas banheiras)

 
hoje a cidade é
o vinho das 7 p.m.
- não há chá com torradas
- não há curva dos seus ombros

 
hoje a cidade é
toda cisão e seus repentes:
toda a fome de seus mendigos.

terça-feira, setembro 25

Ecos de Agosto


 

a noite derrete
(um corpo emergindo
               dos degraus)

 

pernas plásticas cingindo
o breu, elas transcorrem
o salão num vulto morno
de rumor e fibras
 

- por favor, mamãe, nenhum desastre.


os tigres de agosto, o repouso nu
de seus entornos revolve fantasmas.
nunca perdoam, estampam
em lanhos a cicatriz da fome                                   


- por favor, mamãe, nenhum desastre.
 

a ave bicuda de agosto
atesta a sua fome na casa ao lado.
aborta o sono da casa ao lado.
(desiste à tarde, grave mudez)
reside na noite – insidiosos
hertz de lisergia e caos
insidiosa noite,
                       habita o caos
de seus ecos imperativos:
                        desiste
                                   desiste

                        e desistir       
               mamãe,
lhe custa a vida.

sábado, setembro 1

Poema oblíquo

É para catar piolhos

 os teus cabelos, anacrônicos
que levianos lambem o vento
soltos       
                   
   perto
presos
                no ar

 

Há. Para trás há sombra
                   
habitantes invisíveis
permeiam, traçam o plano
(tesoura  nasce
tesoura)

longínquo.
então ele cabe, exato, em seu corpo
Ana
tão genérica,
tão fugaz.

Poderia traçar, perfeita, o plano.
 

compor raízes pálidas
entre cartéis do caos
o resgate, a loucura dos teus olhos
como piscam, pálidas pálpebras
rasgando, um sorriso de bic
em sua boca, nasce
a tesoura
que risca a testa em sua cor
mais ávida – vermelha
vermelha, vermelha.