quarta-feira, dezembro 18

Silêncio

“anjo 
nenhum pode curar-te
do teu nome”

                                Paul Auster


eu o assombro um trem te atravessa
os trilhos
vagões lotados teus olhos ignotos

eu o desejo aos pés de teus fantasmas
 – eles  não dizem nada.

sim, Pedro, mais fácil seria outro nome
fosse Nuno pesaria
nem metade dessa pedra arrastada
em língua morta:



Petrus. trapos de língua. trapos
nós. Petrus a noite engole e somos
dois vagabundos entre contas azuis 
tomadas pelo asfalto
 
preto – tantos furtos – cada vez 
menos de mim
comigo:


dirá que te pertenço
quem souber o que me resta.

sexta-feira, novembro 29

Tratado da Reforma do Entendimento

"Pedro, por exemplo, é algo real; mas a verdadeira ideia de Pedro é a essência objetiva de Pedro e em si algo real e totalmente diverso do próprio Pedro. Uma vez que, portanto, a ideia de Pedro é algo real, tendo sua essência peculiar, ela será também algo inteligível, isto é, o objeto de outra ideia, a qual terá objetivamente em si tudo o que a ideia de Pedro tem formalmente e, por sua vez, essa ideia, que é a ideia de Pedro, tem igualmente sua essência que também pode ser objeto de outra ideia, e assim indefinidamente. Quem quer que seja pode fazer a experiência quando, ao constatar que sabe o que é Pedro, e também  saber que sabe e novamente saber que sabe o que sabe, etc. Disso decorre que, para compreender a essência de Pedro, não é necessário compreender a própria ideia de Pedro e muito menos a ideia da ideia de Pedro; o que é a mesma coisa se eu dissesse que não fosse necessário, para saber, que eu saiba que sei e muito menos saber que eu sei que sei; (...) De fato, para saber que sei, é necessário primeiramente que eu saiba."
 Spinoza, 1661

Pedro ________ para te saber, é preciso saber

nada — e da tua essência, perder
o centro o senso a calma.

para te saber me dispo da meta:

um mote sem objeto.
e subverto a sua imagem na memória
________________________
é essa ideia tudo onde me perco:
maré cheia, tempestade
em teu aquário viscoso de algas.


2013

terça-feira, outubro 29

diálogo com ana c

Desde que voltei tenho sobressaltos ao ouvir tua voz ao telefone. Incertas. Às vezes me despeço com brutalidade. Chego a parecer ingrata.

não, pedro, não quero mais brincar de puta.
e não sou eu quem diz:
nada mais claro que o Universo te dando um sinal.
acaso não foi abrir esta página 79 a teus pés ana c
acaso não foi te chutar a cara ou te beijar a boca enquanto
apenas desejava mijar na fila do banheiro
(bem poderia te mijar a cara)
acaso não é escrever um poema cheio de mentiras
e não é à toa que toca no rádio me deixa em paz, uhm,
você não devia me procurar.

agora minha boceta tem o cheiro da tua porra
e não tomo banho não quero mais lavar
a alma da tua presença espectral
em meu corpo
a alma do último suspiro da tua prole seca
em mim

sim, ainda vou te mijar a cara.


terça-feira, outubro 15

brotam novas dobras em seu prazer difuso
entre a minha cabeça e uma flor
se abrindo – é primavera
- - explode – estanca
a cura em seu voo riscado
de adeus

testes  infantis timbres débeis
ensaia teu voo arriscando
uma paisagem má, nova estação
que governas

já não é o presente esta cela
onde sempre imitamos
e imitamos – é primavera
dissolve-se o tempo na ribeira a voz
entre peixes um dia fomos

já não é o presente minha tua memória
devaneando entre becos de assimilação e jorro
derramando a substância de suas cores outonais
turvas

_______é quando há dobras, desabrocha

crivo noutra língua tua expressão:
céu de nuvem pétrea
morte em palavra morta
verbo a que ninguém pertence.

sexta-feira, agosto 9

el gavilán

hoje cada passo dado volverá
ao teu rosto:
miragem de corte certo
onde cresces ileso
onde me abismo.

descubro a cidade no risco
de enfim atravessar o teu corpo:
espinho suspenso no galho
da roseira que te rompe a visão.

está posto: desvaneces em cada esquina
antes da cabeça a memória
uma sombra
um arranco.

hoje fez-se mais um cismo
no rosto da estátua que tanto gosto, noto
uma hostilidade para além da pedra
hostil - o que lhe atravessa
o que urge no tempo.

sim, urge o repente, a brita das horas
uma  vertigem
cismando ruas ternas e suas dobras
onde resta apenas um risco
no horizonte do teu encontro.

quarta-feira, julho 3

Ruídos da rua invadem a casa


 –  você conhece a caixa de Pandora? 

(palavras) uma pedra (palavras)
rompe o vidro e à janela
o vento dança um corpo de cortinas
– corta – um golpe de ar alavanca
como um voo lento
o golpe do tempo
erigido ao som de palavras:

– você conhece a caixa de Pandora?

veja aquele homem apenas isso
pergunta ao telefone
trôpego – travelling – torto
num movimento de armas
–  move seus braços – quase uma bandeira
 no tempo – muda – sem pátria

ele rui incisivo – um réptil grunhindo –
cedendo pela fúria em suas palavras
elas  que pesam uma existência
congeladas na mesma questão:

– você conhece a caixa de Pandora?

o vento arranca
o vidro está quebrado a janela está aberta
o homem arranca e passa
 desertando a rua – uma presa –
na selva da mesma questão:


- você conhece a caixa de Pandora?

terça-feira, abril 9

obituário

brecha de luz rasgando a noite:
é quando a lua alcança
–  atinge – um rosto oculto entre nós
( difuso
abrigo
no breu)
 – escancara –  corrompido
 farol de novos olhos
seciona, lesiona, não para.

em face à sacada, febril:
o quarto – uma arena
cuja luz dispõe a cena:

temem-nos estantes, relíquias
ínfimas de toda a viagem
temem-nos  filhos atentos, dobrados
na pausa de entreouvidos
 – quando  um suspiro quase resgata
a clareza em sua fisionomia  –
temem-nos  cartas  cordas membros monumentos
obituários
inúteis:

o meu próprio temor
escorre em vias duma fúria
altiva, tão alta
_________ como a lua.

e quem há de temer?
não há
quem tema
por nós
quando o furor invade
e já os corpos evadem
- ao longe – depois da Terra
onde o peso da matéria
se refaz.

quinta-feira, março 14

time

são períodos como este
em que a vista está
para o dia como para a noite
sem muita calma
que a rua está
parada na mesma rua.

períodos como a pausa
que guarda a pose de um gato à janela
um enfeite
uma afronta
ter espaço para enfeitar
um item, um cômodo, a tela
da TV

e quando pauso o filme
para reiterar
a cena
são períodos como este
em que me guardo
e repito.

domingo, março 3

os ombros



seriam cabides ou
o cerne da armadura
tensa, o aplicativo tracionado da forma
exata
do espanto

seriam a forma
de tração do mundo
se não tão duros, se
já não fosse dito antes, e
se já não soubéssemos
que o mundo não há
quem sustenha.